28.10.08

Quando a Merda Explodir


Eu entro no 176 na altura do Mapin. O clima era pesado e acho que ouvi um gemido. Não há onde me sentar. Está na hora de ir para casa, e aqueles minutos a mais no escritório me tiraram a chance de pegar o 324, que costuma estar mais vazio.
Um homem de pé na altura da catraca complica minha vida e quase me derruba o troco. Eu lanço um olhar de incomodado e ele me pergunta se eu perdi alguma parte da minha anatomia na cara dele. Eu prefiro baixar os olhos e passo por tras, sentindo seu olhar nas minhas costas como uma mira laser. Mas não recebo o tiro. Um homem sentado na cadeira do corredor segura a marmita vazia enquanto de seu lado uma senhora cambaleia de pé aos solavancos do coletivo. Ele também me olha de rabo de olho. A senhora no entanto não deixa um segundo de lançar um olhar agourento no homem da marmita. A pessoa no acento da janela dorme enquanto sua respiração embaça a janela que não está nada limpa.
Começo a suar com a tensão. O calor abafado do interior do transporte me faz suar. A camisa está ensopada em menos de cinco minutos. Uma velha acorda com o próprio ronco no fundo do ônibus. O homem com a pasta 007 e o terno pesado suspira exausto. O jovem sujo de graxa não tira os olhos das ancas da negra alta de calça colada que, segurando a barra superior, dança a dança do coletivo lotado. A pessoa perto da catraca continua me olhando. Uma marmita cai no chão. Um negro de capuz e boné entra no veículo. Todos os olhares são para ele. As janelas ficam opacas de tensão e condensação.
Um silêncio interminável ronda o ambiente. Apenas o motor e o molejo do basculante fazem uma trilha sonora neste filme de suspense que virou voltar para casa.
O homem pegua sua marmita. O outro abraça a maleta. Outro ainda não viu nada fora as bandas de um par de nádegas poupudas. O sujeito cheio de graxa começa a tossir no ambiente abafado e o ar viciado e úmido se torna suspeito.
O coletivo pára. O negro de boné me olha no fundo dos olhos. Sinto meu crânio pegar fogo. O sujeito da catraca baixou a cabeça. O cobrado coloca a mão sob o caixa. O negro coloca as mãos nos bolsos do agasalho com gorro e chega até o cobrador. Quando o ônibus volta a andar ouço uma mulher rezando. O ar pode ser cortrado à faca num dia assim.
O coletivo pára novamente. Todo mundo olha pela janela e vê as luzes piscando. É a polícia. Eles entram. Olham ao redor e acenam positivamente para o motorista, em seguida sondando com olhos vermelhos cada um dos presentes. O negro paga sua passagem e passa a catraca, parando ao meu lado. Ele usa um perfume caro que aparece na propaganda da televisão. Eu sei qual porque experimentei essa semana. O ônibus é puro silêncio. Uma buzina grita atras do coletivo. Os policiais fazem cara de azedo e descem. Voltamos a nos deslocar no eixo horizontal.
Eu não fui o único a ter-me esfalfado a trabalhar. A janela passa rapidamente imagens urbanas de caos e comércio fechando. A luz mingua e os botiquins começam a parecer bolas de fogo no cenário da metrópole. Vagarosamente a cidade irá se tornar outra, sob o manto da noite. Espero estar em casa quando essa merda toda explodir.